Saturday, December 22, 2007

Rosas e Prosas do Deserto


"Estou aqui, a escrever, com o volante do jipe a servir de mesa. (...) Há bocado estive deitado na areia, junto à fogueira, a olhar as estrelas. Estive a pensar exactamente nisso: que, contas feitas, ainda vou meter dinheiro do meu bolso para fazer esta reportagem. Mas se, por absurdo, a RTP para o ano quiser negociar comigo o preço para voltar a fazer isto, não havia dinheiro que me chegasse. Ou vinha pelas estrelas, pela poeira, pela violência das pistas, por esta sensação de ter dado tudo o que tenho, ou não vinha. O burocrata da secção de viagens está radiante por nos poder demonstrar que vale mais ficar em Lisboa a filmar conferências de imprensa do que andar um mês e meio a viajar no Sahara. E o mais engraçado de tudo é que eu nem sei o que lhe hei-de responder, quando tiver de apresentar o documento nº 28/B, relativo ao fim da viagem, para assinalar o meu regresso a casa, e ele me fizer a sacramental pergunta: ´então, essas férias lá no deserto, foram boas, hem?`.
Olha, pá, tu tens toda a razão. Mas juro-te que hás-de morrer sem conhecer o prazer de estar deitado de costas na areia, coberto de pó e de sujidade, a arritar atum por todos os lados, com todos os músculos a doerem, e a olhar para um céu pejado de estrelas e pensar que é fantástico estar vivo. (...)"

(Miguel Sousa Tavares, ´Sul `, 1998)


"Há dois anos atrás, algures no deserto de Omã, deitado ao luar a olhar para as estrelas, tive tanta pena destas pseudo-elites liderantes do meu Partido, cujo único deserto a que chegaram nunca está a mais de dez quilómetros da sua casa, que nunca tiveram frio à noite no deserto, que nunca tiveram medo de um tubarão..."

(Luís Filipe Meneses, ´Coragem de Mudar`, 2007)

Saturday, December 1, 2007


Votam hoje dois dos países mais poderosos do mundo. Não sendo as eleições para a chefia máxima do país, muito é referendado. Na Venezuela e na Rússia, Hugo Chavez e Vladimir Putin dão mais uns passos nas suas caminhadas para a história, assim o escrevem, emulando Bolívar ou os czares com actos enérgicos, o petróleo em alta e o modo de discurso adaptado: tribunício e festivo em Caracas, sóbrio a Lubyanquesco em Moscovo.
Em breve poderemos estar perante dois estados não-livres democráticos, onde o atropelo se escuda na legitimação do voto. Nada a que não estejamos a assistir, de modo mais lento, nas sociedades actuais - tão aterrorizados estamos que queremos mesmo é um poder executivo e um braço da lei fortes o suficiente para nos proteger, assim como sentir que ele representa mesmo os nossos interesses, que nos defenda do "outro" que pode ser o yankee, o magrebino, o chinês ou o terrorista. Se aparecer ´deus ex machina` uma personificação daquilo que o sentimento da comunidade associa ao mais distinto da sua memória, melhor.