Saturday, November 24, 2007

RTP


Afundada no buraco da falta de qualidade e à beira do abismo financeiro, a RTP levou uma "voltinha" por alturas de 2002-2003, era ministro Morais Sarmento. Fez-se uma comissão de sábios, esgrimiram-se modelos e slogans (o "Não Desligue" nos cartzes à beira da 5 de Outubro). No final de contas, não houve grandes ondas mas há mudanças. Mas faça-se uma análise destes anos sem entrar nos opacos pormenores legais e contabilísticos.

Com a gestão do recém chegado e agora saído Almerindo Marques, assim como umas valentes injecções da tutela, a RTP conseguiu aguentar-se e descer os custos operacionais. Passou a operar de uma nova sede adaptada ao propósito (e não da carcaça do que era para ser um hotel nas Avenidas Novas). Recrutaram-se caras respeitáveis que fazem trabalho de qualidade (Nuno Santos à cabeça), ganharam-se audiências e concorre-se quase ombro a ombro com a TVI e a SIC sem tanto futebol ou tantas novelas no horário nobre.

No fundo, levou-se a cabo uma política de gestão com mais pés e cabeça, suportada politica e financeiramente a médio prazo e que ganhou a adesão do público. Mas esta é uma gestão com muitos constrangimentos. Logo de início esta restruturação dá a entender ter feito uns fretes aqui e ali: o fim da publicidade no 2º canal (frete aos outros grupos privados de media e ás recomendações dos sábios), o resgate de um canal de notícias várias vezes naufragado na Serra do Pilar e que se tornou na obscura RTP-N (o que também ocorre por haver um superior competidor na SIC-Notícias). E, atendendo tanto à comissão de sábios como ao que parecia ser uma boa ideia na época, a RTP Memória. Esta mostra-nos afinal duas coisas: que estamos mesmo hoje numa idade de ouro no que toca à qualidade da ficção televisiva e que um arrastão naufragou no porto de Sines faz hoje vinte e tal anos deixando um morto e uma mancha de fuel na baía. Mas fora isso pouco mais se tira de um canal que serve de argumento a uma série de boas piadas de situação.



Sou levado um pouco a crer que o que pior da RTP encontra-se, além da excessiva auto-comemoração, em aspectos como estes - os quais, fazendo parte das recomendações dos sábios, constituem a espinha dorsal do serviço público de televisão como ele existe hoje (e mais não lhes era pedido, que se diga). Por isso, qual é o ponto de manter esse serviço público de televisão na RTP?


É sempre arriscado prever o amanhã, quanto mais daqui a 5, 10 anos. Mas com a revolução digital à porta a TV entra num mundo onde vai haver mais escolhas para mais espectadores, uma competição acelerada onde os contrangimentos de serviço público impostos à RTP vão acentuar as dificuldades em que esta atinja o seu objectivo último, que não é audiência mas sim influência.


Monday, November 12, 2007

Sobre a ´Arca de Zoe`

Assume-se muitas vezes que as ONG actuam no melhor dos propósitos e no cumprimento da legalidade. Mais do que tomar este caso como prova refutatória dessa atitude acredito que esta é uma ovelha negra parte de um universo de gente que verá, com este caso, o seu trabalho legítimo ainda mais dificultado: aparentemente a ´Arca de Zoe` actuou no desrespeito consciente das leis e na traição da boa vontade de tripulação (que julgava tratar-se de uma missão sanitária legal) e da população local (que julgava tratar-se de educar as crianças). Tudo interrompido ficou um grande mal feito: as crianças acabaram por ficar semi-abandonadas numa terra sem fronteiras nem ordem, algumas terão parentes vivos mas não os sabem identificar; e os velhos caciques africanos aproveitaram para mandar mais umas diatribes na velha potência colonizadora. Esta, que aqui já se habituou a ser olhada com suspeição (no todo das suas gentes), já está condenada.
Esperemos que o que move a Arca de Zoe não seja então o despertar de um braço (físico) de uma consciência social europeia, independente de governos e das organizações tradicionais, vistas como mais institucionalizadas, logo mais comprometidas e ineficazes. Se houver dinheiro e vontade haverá a tentação de actuar como mercenários da justiça. Especialmente em relação a uma terra onde as relações internacionais acabam quase sempre por se separar dos direitos humanos, onde o futuro não parece auspiciar mudanças radicais no cenário do desenvolvimento das condições de vida das populações.
(Retrato da autoria de Enzi Shahmiri)

Friday, November 2, 2007

O elefante e a loja de porcelanas


Há uma parábola budista que fala de um grupo de monges cegos a quem foi dado um elefante para observar. Cada um deles pode tocar numa parte do elefante. Um dos monges disse que o elefante era como uma corda, outro como um grande pote, outro como o arado, outro como um pilão de almofariz, outro uma grande cortina. E todos tinham razão. E , por outro lado, todos estavam errados. Esta metáfora é perfeita para analisar o problema do médio oriente. Todos abarcam uma parte do problema, nenhuma parte as abarca a todas. Primeiro, porque toda a experiência humana é imperfeita e parcial, depois porque há demasiados impedimentos, demasiados bloqueios para as coisas serem vistas a uma luz mais favorável.
A primeira questão que provoca a cegueira, em toda a questão do médio-oriente é a questão da história e a perspectiva que pos povos que a vivem têm dela. Se, para os livros de história ocidentais o médio oriente está nos livros de história no início da civilização humana, praticamente desaparece na era cristã só para sessurgir, como do nada, depois da segunda guerra mundial. E infelizmente para todos os envolvidos há mais a dizer sobre o médio oriente que as visões romanceadas transmitidas nos romances da Agatha Christie . Há histórias de lutas, conquistas, massacres e sacrifícios que nós não entendemos, custando a pôr em perspectiva revoltas e mentalidades. Mas por exemplo, para os palestinianos e egípcios forçados a traçar o caminho de lá para cá e de cá para lá de acordo com caprichos políticos, a ideia de criar do nada um país reduzindo-lhes o território não parece assim tão boa.
O segundo factor de cegueira no problema do médio-oriente é a religião. Como pode o ponto de convergência de três das maiores religiões do mundo não ser um pomo de discórdia se, historicamente, o tem sido sempre? A terra sagrada é um naco apetecível para os cães raivosos de fanatismo que todas as religiões têm num ponto ou outro da sua história.
O terceiro factor de cegueira é a ambição, a ambição desmedida de querer mais, ter mais, aparecer mais, poder mais. A região não é só sagrada, é também próspera, tisnada de tanto petróleo. Como o pomo de beleza dos deuses, todos o querem agarrar.
O último factor de cegueira, talvez o maior de todos é a intolerância e o fanatismo que é mais que religioso, é civilizacional, contrapondo duas formas de encarar o mundo e a vida, o valor relativo da vida, da morte e o sacrifício. Ninguém acha que haja preços demasiado altos a pagar, nem o martírio, nem o massacre de milhares de inocentes, nem o condenar de gerações e gerações aos campos de refugiados. Nenhuma peça é importante demais para ser poupada neste xadrez geopolítico.
Como elefante que é, este problema, não só é percebido total e completamente por todas as partes envolvidas como conserva outras caracteristicas de elefante : avança implacavelmente por todo lado, incontrolável, pisando tudo e todos os que se encontram no seu caminho e, como numa casa de porcelanas, deixando cacos de vidas, de um lado e do outro, à sua passagem...