Wednesday, July 25, 2007

Noticiário digestivo


As coisas bem vistas, nunca a humanidade esteve tão bem informada. Também é verdade que nunca tantos foram tão prósperos, viveram tanto e tão bem, tiveram acesso à cultura e ao saber. No nosso admirável mundo novo, tudo se pode saber,ver e ouvir, ou como diz o Bill Gates, anytime, anywhere, any format. As coisas estão disponíveis, lá. As coisas ditas desta forma, até parece que tudo vai bem no reino da Dinamarca.If only.
Estamos saturados de informação, deitamo-la pelas orelhas. Tudo se pode ver em todo lado. Mas claro que o ser humano é, por excesso e defeito, preguiçoso. Sim, está bem, a informação existe, mas isso não significa que a busquemos. A solução a que sechegou foi assim uma espécie de puré, umas papas cerelac noticiosas, hipoalergénicas, aptas para intolerantes a lactose, diabéticos e alérgicos vários.
Por irónico que pareça, nunca fomos tão livres para nos expressar, como também nunca tivemos tanto medo de dizer exactamente aquilo que pensamos. Na era da comunicação global, toda a gente anda em bicos de pés para não pisar zonas sensíveis a outros, para não errar. Sim, claro, as notícias existem e são transmitidas. Onde, quando e porquê é que pode ser discutido. É que mesmo que não falemos na CNN ou FOX News, dois canais americanos controlados directa ou indirectamente pelos media spinners do poder, a SIC notícias por exemplo, é controlada por outra ditadura pior: a das audiências. Na silly season em que estamos vemos os stunts do solitário e não a crise em Darfur, o trágico do Iraque ou da Palestina.
As notícias, para além de politicamente correctas e tendenciosas, por um motivo ou por outro ( e na língua humana tudo é sempre tendencioso), são voyeuristicas, mesquinhas e de memória curta. Evoluimos tanto mas continuamos a deleitar-nos com histórias de desventura alheia, gostamos de saber dos outros. É preciso doses cada vez maiores de miséria humana para nos fazer mexer do sofá, e mesmo assim a acção que tomamos acaba por se resumir a pouco mais que uma chamada telefónica, um e-mail solidário ou uma pulseira trendy de borracha. Ninguém nos explica o como e o porquê das coisas, mas também não o exigimos saber nem precisamos de respostas. Não nos perguntamos nunca pelo que acontece depois das câmaras se irem embora, apressadas para outra desgraça maior, para outra briga de celebridades, para outra peça comovente sobre animaizinhos abandonados e palhaços de circo. As notícias são uma espécie de prato obrigatório, rápido e de altos teores calóricos de drama e miséria, que não fazem bem mas descem. Nunca pudemos saber tanto e, no entanto, nunca quisemos saber tão pouco do que se passa para lá dos limites do nosso sofá. Dormimos de consciência tranquila no admirável mundo novo.

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