Tuesday, July 31, 2007

Wednesday, July 25, 2007

Noticiário digestivo


As coisas bem vistas, nunca a humanidade esteve tão bem informada. Também é verdade que nunca tantos foram tão prósperos, viveram tanto e tão bem, tiveram acesso à cultura e ao saber. No nosso admirável mundo novo, tudo se pode saber,ver e ouvir, ou como diz o Bill Gates, anytime, anywhere, any format. As coisas estão disponíveis, lá. As coisas ditas desta forma, até parece que tudo vai bem no reino da Dinamarca.If only.
Estamos saturados de informação, deitamo-la pelas orelhas. Tudo se pode ver em todo lado. Mas claro que o ser humano é, por excesso e defeito, preguiçoso. Sim, está bem, a informação existe, mas isso não significa que a busquemos. A solução a que sechegou foi assim uma espécie de puré, umas papas cerelac noticiosas, hipoalergénicas, aptas para intolerantes a lactose, diabéticos e alérgicos vários.
Por irónico que pareça, nunca fomos tão livres para nos expressar, como também nunca tivemos tanto medo de dizer exactamente aquilo que pensamos. Na era da comunicação global, toda a gente anda em bicos de pés para não pisar zonas sensíveis a outros, para não errar. Sim, claro, as notícias existem e são transmitidas. Onde, quando e porquê é que pode ser discutido. É que mesmo que não falemos na CNN ou FOX News, dois canais americanos controlados directa ou indirectamente pelos media spinners do poder, a SIC notícias por exemplo, é controlada por outra ditadura pior: a das audiências. Na silly season em que estamos vemos os stunts do solitário e não a crise em Darfur, o trágico do Iraque ou da Palestina.
As notícias, para além de politicamente correctas e tendenciosas, por um motivo ou por outro ( e na língua humana tudo é sempre tendencioso), são voyeuristicas, mesquinhas e de memória curta. Evoluimos tanto mas continuamos a deleitar-nos com histórias de desventura alheia, gostamos de saber dos outros. É preciso doses cada vez maiores de miséria humana para nos fazer mexer do sofá, e mesmo assim a acção que tomamos acaba por se resumir a pouco mais que uma chamada telefónica, um e-mail solidário ou uma pulseira trendy de borracha. Ninguém nos explica o como e o porquê das coisas, mas também não o exigimos saber nem precisamos de respostas. Não nos perguntamos nunca pelo que acontece depois das câmaras se irem embora, apressadas para outra desgraça maior, para outra briga de celebridades, para outra peça comovente sobre animaizinhos abandonados e palhaços de circo. As notícias são uma espécie de prato obrigatório, rápido e de altos teores calóricos de drama e miséria, que não fazem bem mas descem. Nunca pudemos saber tanto e, no entanto, nunca quisemos saber tão pouco do que se passa para lá dos limites do nosso sofá. Dormimos de consciência tranquila no admirável mundo novo.

Saturday, July 14, 2007

A estratégia!

Uma Palavra


Questionado a 10 de Julho por um jornalista sobre a identidade da União Europeia, o seu actual presidente José Manuel Barroso respondeu:

"We are a very special construction unique in the history of mankind, sometimes i like to compare the EU as a creation to the organisation of empire. We have the dimension of empire. (...) What we have is the first non-imperial empire. We have 27 countries that fully decided to work together and to pool their sovereignty. I belive it is a great construction and we should be proud of it."

O presidente da comissão europeia escolheu uma palavra muito controversa para descrever a Europa, especialmente porque o numero daqueles que se revê nessa identidade é muito pequeno fora de Bruxelas ou Estrasburgo, ao contrário dos habitantes destas.

A Europa tem de se orgulhar do que fez nos últimos 50 anos em prol da União. Um movimento de base económica garante décadas de paz, desenvolvimento e concórdia entre os povos europeus, porventura a maior experiência de sempre do género na história da humanidade coroada com feitos como a moeda única ou o espaço de circulação comum. Mas a Europa discute por se ver numa encruzilhada.
Essa encruzilhada da Europa não decorrerá da falência do modelo, mas sim de uma série de questões marginais: como atingir uma governação mais eficiente, como ganhar maior protagonismo entre os novos actores globais, e onde estão as fronteiras deste espaço. Pode-se dizer que são questões pretinentes, mas dificilmente essenciais no dia-a-dia das populações nos vários cantos do continente.
A Europa continua numa maratona de cimeiras, encontros e tratados anuais para resolver estas questões. Por um lado é bom, na medida em que os aspectos essenciais da União se mantém como denominador comum e não são colocados em causa. Por outro lado, algumas das soluções preconizadas podem conduzir a um precipício - à criação de uma entidade soberana onde as pessoas não se reconheçam e que se aproprie tanto dos valores positivos anteriores como de valores mais discutíveis como uma "segurança comum" (i.e. exército europeu) ou uma "política externa comum" que dê dimensão política a uma europa economicamente pujante mas que, vítima de um sistema de maioria qualificada, se tenderá a afastar cada vez mais de um maior numero de europeus.
Mete-me sobretudo medo a distância que as vozes de alguns em Bruxelas ganham das realidades dos seus países de origem, como rapidamente aderem a uma "causa europeia" com espírito quase de seita, independentemente dos partidos ou dos países de onde são "eleitas". E as visões messiânicas que alguns começam a levantar, como Barroso, desse império por onde desejam propagar os seus valores favoritos. São vozes e visões que não levam em conta que a construção tem de ser feita das fundações para o telhado, caso contrário poderá ser pelo vento, pelo fogo ou pela água mas por certo se derrubará.

Já deixámos de ver a Europa como uma comunidade para a ver como uma União. Deixaremos de ver a Europa como uma União para a ver como um Império? E teremos nós portugueses uma palavra na tomada desse passo apesar de, por ironia suprema, serem dois portugueses a presidir ás principais instituições europeias?
Como exercício, proponho escolher entre as duas bandeiras seguintes: a direita, bandeira oficial da União Europeia com 12 estrelas; a esquerda, uma bandeira que contém em barras todas as bandeiras de todos os estados membros a exemplo de um código de barras, criada pelo arquitecto holandês Rem Koolhaas. A escolha só pode ser clara, digo, porque a diferença entre as ideias traduzidas numa e noutra são brutais.






Wednesday, June 20, 2007

Deus e espiritualidade na sociedade de consumo


No princípio dos tempos, os deuses estavam em todo lado. Num universo em que tudo era novo e grande e o homem sabia pouco, só os deuses explicavam os fenómenos naturais, só o divino poderia cabalmente explicar o mistério da vida, os constantes círculos de vida e de morte à nossa volta. O sol nascia e punha-se porque os deuses o queriam, as tempestades surgiam, trazendo ao mesmo tempo destruição e fertilidade como uma manifestação do divino misterioso que, com um capricho, podia a qualquer hora deixar de nos trazer os dons da vida. Com os tempos fomos descobrindo, perguntando, sabendo mais, e o espaço dos deuses foi recuando cada vez mais. Sabemos agora exactamente porque se põe e nasce o sol, porque crescem as colheitas e nascem bebés, de que elementos são feitas as coisas. Sabemos também que nada se cria ou perde, apenas se transforma. E no entanto, nesta época em que sabemos tantas coisas, a fé continua a ser um elemento presente, um elemento necessário.Se os deuses não servem para nos explicar os mistérios- o que não sabemos, a ciência está a trabalhar para saber- para que servem então? A resposta não é simples nem óbvia, sendo muitas vezes mais pessoal que outra coisa. Qual o papel da religião, da fé, da espiritualidade na sociedade global de consumo?
A primeira hipótese terá de ser, no meu entender, a necessidade humana de pertença, o sentido de se incluir num grupo maior e encontrar aquilo que todos procuramos: aceitação. Mesmo que seja só por motivos de tradição formais, como o que acontece agora na igreja católica europeia, ser da religião X ou Y dá-nos uma identidade enquanto indivíduos, uma comunidade à qual pertencemos, mesmo que não pratiquemos. Noutras partes do mundo a religião é o equivalente a uma tribo, um passaporte, uma bandeira. Ser judeu ou árabe são coisas muito diferentes na Europa e na Palestina, Líbano ou Síria, como ser católico ou protestante não era o mesmo na Irlanda do Norte que na França, por exemplo. Mas esta identificação vai muito para além de motivos políticos e culturais. O papel da religião é uma coisa muito mais íntima e emocional. Não é por acaso que florescem tantas seitas onde se fala tanto de amor e de perdão e felicidade e comunidade. A igreja, a fé, constitui um grupo que oferece apoio e segurança, como uma família que ama incondicionalmente, oferecendo refúgio e apoio em relação ao mundo cada vez mais distante e frio. Ser amado, sentir o amor e a aprovação por parte de outros é um impulso básico do ser humano, que facilmente ultrapassa a lógica e a razão.
Outro possível motivo para a religião é a necessidade que o ser humano tem de encontrar controlo e razão num universo de acasos e azares. Agora que sabemos tanto de ciência, que cada vez conhecemos mais o carácter arbitrário da existência, maior necessidade sentimos de uma coisa que explique, que encontre o padrão por entre todos os acasos que nos acontecem, um fim último que justifique as injustiças, o sofrimento, o medo, a dor que caracteriza a nossa vida. Se existir um deus, ou deuses, será possível interceder pelas nossas causas, pedir favores, oferecer reparação dos nossos erros, e, dessa forma evitar catástrofes e dores, controlando assim um pouco do curso da nossa existência. Podemos rezar por sucesso e riqueza, podemos pedir perdão pelo mal que fizemos provando assim, à existência teórica de um deus, que merecemos viver, que merecemos as recompensas terrenas ou divinas que pretendemos. Deus, neste sentido, é uma espécie de airbag ou cinto de segurança, que nos prende e protege em caso de embate, que, como diz a oração, nos livra de todo o mal.
Outro papel da religião, ou outras formas de espiritualidade, e talvez o mais importante, é o de forma de consolação no desespero. Não é, de forma alguma casual que muitas pessoas em situação desesperada se voltem para a religião de forma muitas vezes fanática. Se virmos muitos membros de seitas vemos pessoas que passam, ou passaram, por situações muito complicadas ao nível pessoal ou familiar. Quanto maior o desespero maior a necessidade humana de uma força que nos console, que esteja lá para nós em alturas difíceis. Quem tem conforto, uma vida familiar ou pessoal estável sente menos falta de um deus consolador que aqueles que sofrem, ou estão doentes.
Por último, todas as religiões oferecem uma visão relativa da vida, no sentido de explicarem que o que vivemos não é tudo o que haverá. Face à morte, a única coisa que a ciência não explica nem evita, a religião dá a garantia que a morte não será o fim. Castigados ou recompensados pelos nossos actos, reencarnados ou presos no mundo dos espíritos, continuaremos, num qualquer plano de existência, a ser. O que, parecendo que não, como diz o anúncio, facilita.
A sociedade actual foi-se laicizando cada vez mais até a religião ocupar um espaço íntimo de esfera pessoal. Na maior parte dos países ocidentais as práticas religiosas regulares quase foral eliminadas estando apenas presentes em alturas muito especificas como marcando ritos de passagem: o nascimento, a união, a morte. E no entanto, muitas formas residuais de fé e espiritualidade subsistem. Mesmo que as formas de religião organizada tenham cada vez menos fiéis, quase todos temos a necessidade de um poder superior a nós, diferente de nós que explique e ajude, que controle o nosso destino, desde as cartas de tarot e a velinha que ajude, ao futebolista que tem rituais de sorte. Mesmo que não se pratique religião, há sempre "modas" espirituais que se seguem, desde a onda espírita, à fé em fadas, anjos, ou até mesmo extraterrestres. A fé é inerente ao ser humano, intrínseca. Pensar-se-ia que a fé, face à ciência se tornaria obsoleta. Não tornou. Talvez porque acreditar na existência de uma força superior, qualquer que seja, seja mais fácil de aceitar que este aqui e agora em que vivemos e que, como diz Ricardo Reis, há noite antes e após o pouco que duramos.

Wednesday, June 13, 2007