Tuesday, May 8, 2007

Heroísmo


Deus está morto, disse ele.

E os heróis? Está viva ou morta a semi-divindade?

Podemos ou queremos suportar hoje em dia um tipo de heroísmo maior do que o simples altruísmo, sob o risco de cruzar a linha entre a admiração e a inveja? A vida de um candidato a herói no mundo pós-moderno não é fácil, pois tem pela frente o arqui-inimigo do politicamente correcto, essa grande máquina burocrática da razão. Mas como vive o heroísmo hoje em dia? Poderia distinguir distinguir entre o heroísmo de ´baixa` e de ´alta densidade`.

As sub-raças mais comuns de mortais associadas hoje em dia ao heroísmo por via da ´baixa densidade` fariam Hércules pensar duas vezes em conceder a Homero os direitos de narração dos seus feitos; o culto superficial dos donos da bola ou dos actores da realidade é uma válvula de escape da vidinha – uma trivela do Quaresma ou um cartaz do Gato Fedorento são milagres que satisfazem a ânsia do extraordinário, mesmo que a baixa fasquia. Mas não sigamos por este heroísmo que se dissipa na espuma dos dias.

Antes se pegue no conceito de heroísmo de ´alta densidade`, o qual está mais perto do modelo clássico, mas em minha opinião este tem duas variantes consoante o sonhador: vejo uma tendência da inteligência para adorar anti-heróis e vejo uma tendência da ingenuidade para adorar super-heróis. É por mercê dessa divisão que o Mercado nos traz em grandes e pequenos écrãs os heróis modernos, onde a par dos actos extraordinários tem de existir a chamada ´profundidade dramática da personagem` que nos desperte a mais variada gama de sentimentos – e, se possível, que os manipule no sentido do conflito.

Prolongando o politicamente correcto da vidinha, os nossos heróis-mesmo-heróis devem ser adorados mas também lhes temos de poder partir as pernas – afinal, nós não passamos de uma manada de coxos.

Mas estendendo-me nesta divagação não me decidi ainda pela vida ou pela morte dos heróis, pela vida ou pela morte do heroísmo. Pois bem, a sentença desta cabeça é um sim e um não. Um sim porque um bom herói é um herói morto, um herói que deu origem a um mito, um herói que desapareceu na altura certa antes que alguem lhe cortasse as asas da semi-divindade. Um não porque, embora pouco espaço haja para o heroísmo na realidade da vidinha, há tempos e lugares extraordinários onde as convenções desta se quebram, abrindo-se as portas para a possibilidade de renovação do mito do ´homem providencial`.

O heroísmo nos écrãs, novos contadores de histórias e guardiães das nossas memórias de peixinho de aquário, sempre vai à laia de medalha de consolação mantendo viva uma chama – um mundo de adultos não deve enterrar o heroísmo e desprezar as histórias de heróis para que não esqueça de que apesar de tudo somos capazes de, eventualmente, sob certas circunstâncias, com certas restrições, com dadas condições PTN etc., levar a cabo algo que os nossos olhos não enxergam. O mundo dos adultos não deve enterrar o heroísmo como sendo algo de mau por irresponsável ou não convencional.

Portanto não, o heroísmo não está morto. Pode estar mascarado por vícios ou ofuscado por cultos rápidos, mas é assim que nós somos – imperfeitos e cuscos. Eventualmente, teremos tanto de heróis como disso.

Agora calo-me e prometo que quando tiver mais cabelos brancos vou escrever sobre a morte-ou-não-morte de Deus.

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